Não é a primeira vez que falo aqui da utilidade dos gifs. Numa entrada anterior já mencionei o enorme potencial que este formato de imagem, veterano em internet, tem para o ensino e aprendizagem de vocabulário em contexto. Aqui vou apresentar outro exemplo que elaborei para ilustrar o seu uso no ensino e aprendizagem da gramática, mais especificamente através de paradigmas.
Antes de mais nada, cumpre lembrar que o suporte natural dos gifs é a web e, muito particularmente, na web 2.0, onde a construção ou negociação coletiva e multimodal de significados constitui um aspeto chave. No âmbito educativo, o 2.0 traduze-se em plataformas de e-learning (os chamados SGA ou LMS em inglês) ou mesmo no uso de redes sociais como Facebook ou Twitter para criar e gerir comunidades de aprendizagem. Porém, também podem ser usados em webs de aula ou em apresentações em linha como o Google Presentations, Prezi (convertendo em linha o gif para o formato swf) ou o mais sofisticado Atavist.
Paradigmas
No ensino da gramática de uma língua, já for inicial, ambiental ou estrangeira, os conceitos de sintagma e paradigma são essenciais para o professorado. Não vou dar aqui uma explicação detalhada do que são estas noções, que, ademais, são estudadas no ensino obrigatório. Contudo, é bom lembrarmos uma série de questões.
Como se sabe, o eixo sintagmático tem a ver, grosso modo, com a ordem das palavras numa frase ou numa oração. Doutro lado, o eixo paradigmático representa todas as palavras ou frases que podem ocupar a mesma posição numa oração, p.ex.: [o ~ um ~ aquele] carro que comprei, [pintei ~ pintaste ~pintaram … ] a casa toda, etc.. Tradicionalmente, os paradigmas que mais trabalhamos nas aulas de língua são os verbais, isto é, aquelas aborrecidas conjugações verbais do francês ou do alemão. No caso desta última língua também se aprendem os paradigmas dos determinantes e modificadores do nome, que expressam com a sua forma uma função na oração (sujeito, objeto direto, etc.): são as declinações que tanto medo metem aos aprendentes, também em latim. Normalmente, este tipo de paradigmas gramaticais apresentam-se em tabelas bem reconhecíveis em manuais, gramáticas e dicionários de aprendizagem.

Para além dos paradigmas gramaticais ou estruturais, muito importantes, por exemplo, na metodologia audiolingual, também é usado o termo de paradigma nocional-funcional de uma perspetiva mais comunicativa. Resumindo, este tipo de paradigmas agrupam todas as sequências linguísticas que podem expressar uma intenção comunicativa. Por exemplo, em francês, para perguntarmos o preço de um produto podemos dizer C’est combien?, Ça coute combien?, Ça fait combien?, Combien ça vaut? entre outras expressões. Todas elas seriam exponentes nocionais-funcionais (ou pragmatemas, segundo a lexicografia): da função ‘pedir informação’ e da noção ‘preço de um produto’. Este tipo de paradigmas comunicativos aparecem em numerosos guias de viagem e livros de conversa para turistas ou mesmo em anexos de dicionários e manuais de aprendizagem.
Por último, a noção de paradigma também está relacionada com aquela de relações ou funções lexicais, formulada em detalhe por autores como Igor Mel’čuk e a sua Teoria Sentido-Texto. Uma função lexical explica as relações de significado que a miúdo estabelecemos entre palavras (nomes, adjectivos, verbos…) e que constituem a base das famílias lexicais (p.ex., cantar → cantor ~ cantora, canção, cantarejar etc.) ou das colocações (p.ex. [despedir, contratar, mudar, pagar…] um empregado). Estas últimas são especialmente importantes no processo de aprendizagem de uma língua.
Os gifs para trabalharmos paradigmas: um exemplo em francês
Ainda que normalmente os gifs mostram pequenas sequências de vídeo, também podemos construir em linha gifs com texto a partir de várias imagens ou fotografias. Existem várias webs para o fazer sem muita dificuldade, mas para o nosso exemplo utilizamos Gifcreator, que tem a vantagem de não deixar marcas de água ou publicidade. As diferentes fotografias (22 no total) também fôrom elaboradas em linha com Google Drawings. Não é complicado de fazer, mas é certo que requer certas competências digitais. Em geral, trata-se se mostrar numa imagem animada as diferentes possibilidades que oferece um paradigma, já for gramatical, lexical ou comunicativo.

O objetivo do gif que apresento aqui é mostrar o funcionamento das preposições de lugar em francês num eixo paradigmático a partir da oração Je vais partir + [paradigma]. O paradigma aqui representa o complemento preposicional ou de regime do verbo partir (‘ir-se’, ‘marchar’). Como se sabe, a preposição de lugar em francês muda em função do tipo de topónimo que introduz: en é usado com países e regiões do género feminino (e sem o artigo: en la France, en la Champagne), à com países do género masculino (neste caso mantém-se o artigo contraído com a preposição: au Portugal, au Maroc ) e com cidades (sem artigo: à Barcelone, à Montréal). Mostram-se diferentes possibilidades misturadas e a uma determinada velocidade, que sempre podemos modificar.
Este tipo de gifs podem ser usados como base para fazer uma atividade de gramática indutiva: em vez de apresentar a regra gramatical para fazer depois atividades, o aprendente observa primeiro os exemplos, compara-os com a sua L1 e depois formula uma regra. Finalmente viriam as atividades estruturais que todos conhecemos: preencher ocos, transformar frases, etc.. Mas mesmo quando trabalhamos de uma perspetiva dedutiva ou explícita, isto é, quando fornecemos a regra em primeiro lugar, estes gifs podem ajudar os aprendentes a lembrar a regra nas semanas seguintes evitando ler a sua formulação por escrito. Neste caso, o gif reúne as vantagens sintéticas e visuais de uma tabela, mas é muito mais dinámico.

As possibilidades são tantas como os tipos de paradigmas que quisermos trabalhar: colocações, exponentes, conjugações, declinações, etc.. Acima apresentamos outro exemplo simples de gif para ilustrar um paradigma nocional-funcional cos seus diferentes exponentes. Mudei a tipografia de cada exponente / pragmatema para facilitar a a sua discriminação visual. Talvez seria bom mudar a cor do fundo pola mesma razão. Um gif deste tipo poderia servir, por exemplo, para pedir aos aprendentes que respondam a pergunta, já for oralmente ou por escrito. Também poderíamos pedir que identifiquem os exponentes mais formais e os mais familiares.
Não quero terminar esta entrada sem lembrar que nem sempre tem que ser o docente a elaborar estes materiais, também podem ser os aprendentes individualmente ou colaborativamente, em grupos. Como atividade, sem deixar de ser estrutural, poder ser muito mais divertida e motivadora do que preencher ocos.